Observo a lua no céu azul por entre os galhos dos pinheiros e eucaliptos compridos e esguios que formam malhas de ambos os lados da estrada. Nas beiradas e no centro, onde os pneus não passam, o chão de terra está ferrugem, coberto com um manto de acículas secas e úmidas pela chuva do dia anterior, e que continuam a despencar por causa do vento. Há quarenta minutos aqui, não há nem sinal de um veículo. O caminho é tortuoso, estreito e de declive acentuado; as árvores, em certo ponto, quase fecham o céu e fica escuro como o entardecer de inverno. A lua está lá, descendo para trás das montanhas, e brinco de adivinhar sua nova posição após curvas e descidas desorientantes. Pássaros são escassos e o vento ora é pesado e faz estalar os troncos numa agitação geral um pouco assustadora, ora é tênue e concentrado nas copas altas, com chiados que lembram o som de uma pastilha efervescente. Me vem à mente o filme a Bruxa de Blair, às outras vezes que estive aqui, inclusive de madrugada e em uma véspera de Natal. A imagem da lua no céu azul, emoldurada entre os galhos, o crepitar dos meus passos sobre as pedrinhas da estrada de chão: se entrecruzam e me atravessam por dentro um medo difuso, uma urgência intestinal oscilante, a excitação — como se eu pudesse me masturbar ali —, e vestígios do assombro do dia em que vi um eclipse solar na infância, com uma chapa de raio-x recortada sobre os olhos, o mesmo céu azul engolido por uma sombra espessa e mergulhado nas trevas no meio de uma manhã, um frisson apocalíptico, a sensação fugidia de se dar conta repentinamente de que estamos num planeta suspenso no nada, e a visão desse planeta de longe, minúsculo, e saber que dinossauros, Jesus, teorias científicas, guerras, computadores, crises financeiras, tudo o que existiu até hoje e é passível de existir se deu e se dará naquele pontinho, um palco irrelevante onde se encena e reencena o drama e a tragédia de seres que montam peças complicadas para se esquecerem quem são — e então fecho os olhos e sei que sorrio e num décimo de segundo a zona indistinta de afetos e sensações contraditórias rescinde e volto a ter a consciência da materialidade do meu corpo, das pedras trazidas nos bolsos pra afastar possíveis cachorros no caminho até aqui, da máscara pendurada no pulso, da pandemia, do tempo fora de casa e do fato de estar sem celular e não fazer ideia de que horas são.
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