sábado, 23 de abril de 2011

A minúscula pausa de um bater de coração

Mesmo sabendo que vivemos impregnados no Zeitgeist da época e que cada tempo é um tempo com suas devidas particularidades e limitações (não cabendo julgá-lo sem moderação e bom senso), é inevitável não pensar quanto o passado sempre me parece tosco. Deixe-me melhorar. Muitas das minhas atitudes parecem toscas e ingênuas no passado: as filmagens em que posso me observar afiguram-se ridículas e constrangedoras na maioria das vezes. Do mesmo modo, as listas de filmes postadas aqui, neste espaço, com notas absurdamente altas para filmes que hoje dão a impressão de infantis, revelam um constante despreparo, evidenciam a volubilidade das posições assumidas, a impossibilidade de poder afirmar algo categoricamente. Aí está, pensando bem, a razão pela qual o passado parece ridículo: como (em teoria) estamos em constante processo de aprendizado e mutação, o momento anterior quase (quase) sempre parece mais capengo e atrasado que o atual. O mesmo se dá ao espírito de uma época.

Mas se a visão atual sempre sobrepujar a anterior, consolidando a impossibilidade de completude, essa linha de raciocínio sugere que eu sou (e sempre vou ser) tosco e mal acabado, pois a atualidade efetiva é ínfima e fugidia como a minúscula pausa de um bater de coração, e é esse o único instante real, que se desenrola ao mesmo tempo em que se desfaz com a batida seguinte relegando-o ao passado. Visto assim, as linhas acima já ficaram para trás, e o texto está fadado à ruína.

O passado real é algo bem diferente do passado pessoal. Sobretudo, por que certas lembranças se turvam tanto que, com o tempo, algumas se tornam indistinguíveis de sonhos; e certos sonhos impactam tanto a ponto de produzirem sensações de lembranças — que, em escala maior, referindo a uma época, podem virar lendas, mitos, histórias distorcidas etc. Então, para uma mente louca ou, quem sabe, bem evoluída, o passado pode ser criado e modificado, bastando apreender o próprio logro até entrar em estado de confusão e consolidar o delírio.
Distorções à parte, outras pessoas com seus pontos de vista auto-engendrados contribuem para a formação de nossa memória, como uma brincadeira de telefone sem fio a transformar uma coisa em outra, formando o amálgama de assimilações destoantes que se unem numa síntese estropiada (também chamada de História).

São frestas escalonadas que se fundem no máximo apenas parcialmente. Qualquer tentativa é vã: o silêncio ou o tempo. Qual é a mentira?
A mentira é uma outra. Escute.