sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Extinção de uma atmosfera vaporosa: pequenos óbitos


O Led Zeppelin talvez tenha tido sorte de cessar precocemente com a morte do baterista John Bonhan. Os Beatles, mais ainda. Deixando de lado as motivações, vários escritores renunciaram a literatura, J.D Sallinger se isolou e não publicou mais, Rimbaud largou a poesia e foi viajar o mundo, Raduan Nassar trocou as letras por uma fazenda. Saíram de cena enquanto estavam na frente, por isso cristalizaram uma imagem mítica e, pelo fim, intocável. Nada corrompe a atmosfera de magia que paira sobre artistas ceifados repentinamente — fenômeno mais intenso ocorre com os mortos, vide Elvis e Marilyn Monroe, por exemplo, que congelaram suas aparências àquela lembrada até hoje.

Não há visão de tais artistas lançando obras menos criativas, sujeitando-se a todo tipo de situações suspeitas para aparecer na mídia ou tentando se adequar ao padrão mercadológico e repetindo a mesma fórmula repisada durante anos em apresentações\obras previsíveis. Em uma palavra: não há mais desgaste. No mundo desses artistas, então, parece valer sair de cena quando se está na frente e manter preservado algo enquanto esse algo existe.

Apesar de ser admirável bandas como Os Rolling Stones estarem por aí ainda, há quantos anos não lançam nada além do mais-do-mesmo? E, a meu ver, não deixa de ter uma pontinha de melancolia ver aqueles senhores repetindo automaticamente vibrantes músicas de 40 anos atrás com os mesmos movimentos simulados de 40 anos atrás, mas num corpo 40 anos mais velho.

Assumindo o ponto de vista de uma grande banda, mais especificamente das que se desmembraram por outros motivos que não a morte — egolatria, egoísmo, “incompatibilidade de gênios” etc. —, nota-se que, anos depois do fim, após milhares de ofuscados projetos paralelos que não deram certo, surge uma reunião e, às vezes, a tentativa de novos trabalhos inéditos com o ex-grupo.

Afinal, a grandiosidade do evento por ele vivido no passado deixou marcas indeléveis e dificilmente será novamente alcançada num novo projeto. O que seria do Mick Jagger sem os Stones (seria o ex-vocalista dos Stones?)? O que é o Jimmy Page sem o Led Zeppelin? Quem não gostaria de poder sentir novamente aquela intensidade e magia dos tempos áureos, a ligação profunda nunca mais repetida nos tais projetos paralelos?

Todavia, é possível emular a atmosfera passada e o grupo se recriar num trabalho de peso equivalente aos anteriores? O desafio agora é muito maior, claro, porque há fortes expectativas, não só dos fãs, sociedade e imprensa, mas dos próprios integrantes uns com relação aos outros sobre a bagagem adquirida pelo companheiro nesses anos, a correção daquele defeito insuportável e, principalmente, expectativas inadiáveis de sentir a mesma afinidade única e incomparável do passado. A busca é guiada pela intuição, nostalgia e uma vontade sincera, mas em condições e num meio totalmente diferentes daquele anterior, dos anos de sucesso.

A época do auge fora cristalizada na cabeça desses integrantes. Eles enxergam nada menos que aquilo, como se eles, seus hábitos e corpos fossem os mesmos. Mas eles não são. São outros. As expectativas do reencontro são tantas que são praticamente impossíveis de atingir. E por isso a empreitada é abandonada de repente, até com certa displicência. Nesse momento percebe-se que algo se perdeu, e pode ser que jamais volte a ser como antes.

Só que eles não tiram o projeto da cabeça: por que não é mais possível? Por que mudamos ou, ao contrário, não mudamos? Ou ainda, por que tudo mudou e a época atual rejeita a mesma fórmula?
Mais adiante novas tentativas são feitas, repetindo o mesmo fracasso indesejado da primeira.

Em meio à confusão, muitas dúvidas perseguem e reverberam: teria sido melhor ter parado antes de chegar a esse ponto e ao menos manter em aberto a possibilidade de potência? Algumas coisas são essencialmente determinadas a não se repetir?

Dos estágios a que padecem os doentes terminais, segundo Modelo de Kübler-Ross (negação, raiva, negociação, depressão), os integrantes, extenuados, chegam ao último: a aceitação.

Valeu a pena tudo pra acabar desse jeito?

Alguém certa vez disse: muitos amores são como a vida, eles valem a dor que seu desfecho triste nos dará eventualmente um dia.